Observe os sintomas: gosto repentino por líquidos vermelhos, aversão à
luz do dia, paixão por uma aparência pálida e espectral, isso indica que você
foi mordido pelo novo “Bug Vampiresco”. Sites, jornais e revistas de todo o
mundo começam a noticiar a mais nova tendência: a trend with fangs.
Claro que o vampirismo transcende muito uma mania da atualidade, já que, há uma
vasta bibliografia desde os séculos passados e uma filmografia desde a invenção
do cinema que remetem ao tema.
Eu mesma,
carrego uma paixão vampiresca desde a mais remota infância, através dos antigos
filmes de Drácula, que sempre foram clássicos na televisão, ou ainda sob a ótica
daquele que marcou minha geração por excelência: “A Hora do Espanto”. Mas
admito, que a febre se materializou pela novela “Vamp”. Quem não se lembra de
Claudia Ohana na pele da vampira Natasha, cantando “Sympathy for the
Devil”?
Os vampiros são adorados há bastante tempo e seu mito perdura através
das culturas. Não é a toa que eles são imortais. O romance “Drácula” (1897), de
Bram Stoker não foi o primeiro livro a tratar do tema, no entanto, povoou o
imaginário popular com tal poder, que o nome tornou-se referência em todo o
mundo: “Conde Drácula”. Entre os melhores filmes baseados diretamente neste
romance, está: o filmado em 1931 pelo ator húngaro Bela Lugosi, este Drácula o
consagrou definitivamente como uma estrela; a versão alemã de Murnau
não-autorizada, “Nosferatu” (1922); o remake de Werner Herzog de 1979 e o mais
recente “Drácula de Bram Stoker” (1992), dirigido por Coppola e com atuação de
Gary Oldman. Além desses, cabe destacar as muitas atuações de Christopher Lee na
pele do Conde.
Enraizada na mitologia, a origem histórica dos vampiros remete
ao século XV com o príncipe da Romênia Vlad Tepes (filho de Vlad Dracul),
conhecido como “O Empalador”. Ele empalava seus inimigos em estacas e diziam que
molhava seu pão no sangue destes. O próprio Bram Stoker teria se inspirado na
história do príncipe Vlad para escrever o “Drácula”.
Ao
contrário dos nebulosos e clássicos vampiros da Hammer (companhia
cinematográfica inglesa, célebre por rodar filmes de terror entre a década de 50
e 70), a atual tendência vampirística deriva da etérea, gelada e sexy eterna
juventude que estes seres representam. Raramente houve vampiros tão atraentes e
fotogênicos na história. Novos livros e filmes têm enlouquecido
fangbangers (tarados por presas, segundo o seriado True Blood) do mundo
inteiro, espalhando esta lascívia vampiresca que contagia a cultura
pop. A tendência surge em editoriais de moda e coleções de estilistas,
que remetem a um universo sombrio com muito preto e tez pálida.
A escritora Anne Rice foi uma das primeiras a modernizar a
visão deste ser sanguinolento em seu livro “Entrevista com o Vampiro” (1976),
adaptado para o cinema em 1994 com Tom Cruise e Brad Pitt no elenco. Na
atualidade, um vampiro de 200 anos é entrevistado e narra ao repórter suas
experiências através de seus longos anos de vida.
A pandemia do momento chama-se “Crepúsculo”, uma série de 4
livros escrita por Stephenie Meyer. A saga também foi adaptada para o cinema e o
segundo filme tem estréia prevista para novembro. A série é direcionada para
jovens, no primeiro filme traz um gentil vampiro que se abstém do sangue humano
assim como do sexo com a mocinha também humana, pois corre o risco de matá-la,
mesmo os beijos são bem raros. Outra adaptação literária para a televisão,
estreou neste mês de setembro nos EUA, trata-se do novo seriado “The
Vampires Diaries”: triângulo amoroso entre dois irmãos vampiros e
a mocinha Helena, reencarnação de um amor do passado de ambos.
Mas, vamos ao seriado, que mexeu de verdade com minhas artérias
e me obrigou a relatar esta tendência vermelho sangue: “True Blood”,
baseado na série de livros intitulada “Southern Vampire/Sookie Stackhouse
Novels”, de Charlaine Harris, composta por nove volumes, o décimo sai em
2010. O seriado traz a história de Sookie Stackhouse (Anna Paquin), uma
telepata, cansada de ouvir os pensamentos dos que a cercam. A mocinha encontra
nos vampiros uma certa tranqüilidade por não conseguir penetrar nos seus
pensamentos. No entanto, ela estabelece vínculos poderosos e estranhos com estes
seres imortais.
“True Blood”, que encerra sua segunda temporada nos EUA, tem
sido fenômeno de audiência, como uma das séries mais assistidas do canal fechado
HBO, só perdendo para “Os Sopranos” e ultrapassando até mesmo “Sex and The
City”. Do mesmo criador de “A Sete Palmos”, Alan Ball adaptou o romance de
Harris para TV, de forma artística e com personagens mais complexos que os do
próprio livro. Se na versão escrita há muito erotismo e momentos dignos de
contos como “Sabrina” ou “Julia”, na série, a sensualidade funciona de forma
mais introspectiva e com maior beleza e refino estético.
A história passa-se na cidade fictícia de Bom Temps, na
Louisiana. No mundo atual, os vampiros revelaram-se e são assimilados
desconfortavelmente em meio a preconceito e a igrejas que os combatem. Eles
conseguem sobreviver graças à bebida “Tru Blood”, sangue sintético
criado pelos japoneses. A série surpreende com cenas voluptuosas e sensuais, de
forma alguma apelativas. Não há exagero, e sim uma boa dose de humor agregada a
um vasto universo de seres mágicos e poderes especiais, além dos vampiros.
Com esses ingredientes “True Blood” se tornou
hype nesta tendência ligada a eróticos predadores. Parafraseando a
produtora da série “The Vampires Diaries”, Julie Plec:
“The vampire is the new James Dean”. Em “True Blood”, a
abertura da série já é uma provocação para o episódio. A seqüência de cenas, a
música e os efeitos, que trazem sangue, danças sensuais e hábitos caipiras da
Louisiana traduzem o conceito da série de forma inteligente, sem apresentar
personagens, mas situando o espectador de forma assustadora e excitante.
Confira:
O livro “O que é Vampiro”, de José Luiz Aidar e
Márcia Maciel, trata a literatura de terror em um sentido bastante
psicanalítico. Um ponto interessante é quando falam dos banquetes oferecidos por
Lord Byron, cuja má digestão rendeu bons textos do gênero, além dos dele, temos
o “Frankenstein” de Mary Shelley. Mas, o tema vampírico vai muito além de
refeições mal digeridas e azia. Segundo Aidar e Maciel para entendermos o
vampirismo e sua presença na literatura, cinema e imaginário, é necessário
falarmos sobre os sonhos e desejos, que são enredos de nosso inconsciente. Mas,
prefiro evocar elementos mais profundos do que a mera satisfação inconsciente.
Devemos pensar na catarse das emoções que o horror e o medo nos provocam e o
fascínio pelo prazer e a dor que estas criaturas representam. Cito o diálogo
“Fédon” de Platão, que pode encaixar bem neste pensamento: “Que estranha
coisa, amigos, me parece aquilo a que chamam o prazer! E que espantosa relação
ele tem com o seu oposto, a dor! Recusam encontra-se juntos no homem. Mas, se
alguém procurar um deles e o alcança, quase sempre é forçado também ao
outro”.
Diante do vampiro, estamos expostos a algo sobre-humano, nossas
sensações e fraquezas humanas desnudam-se e nos reconhecemos sensíveis, vivos e
diferentes. A fragilidade à frente deste ser imortal surge como fascínio e
horror por uma identidade outra. Em contra partida, o vampiro vê no humano um
rastro de sua personalidade passada, que foi dominada por uma nova forma com
vida reduzida à eternidade noturna. E agora, a figura humana torna-se fonte de
alimento para esta morte-vida, e possibilidade iminente de transformação em um
novo semelhante vampiro.
A corrente pandemia vampirística remete-nos, ao controle sobre
nossos corpos, nossa temperatura e nossas almas. O tema dessas histórias
contemporâneas aborda principalmente o autocontrole e as escolhas do vampiro,
que deve conviver com a humanidade, e não se reduzir a um assassino. O conflito
amoroso permanece o mesmo desde os mais remotos tempos, a sedução da humana
mortal pelo vampiro atraente. E por que os vampiros são tão sedutores? Há algo
em sua mortífera e pálida aparência combinada com instintiva sexualidade,
imortalidade e poder que paralisa e hipnotiza os humanos. Além disso, ele
carrega a ambivalência de sua espécie, pois, é ao mesmo tempo o herói romântico
e erótico e o monstro imortal, do qual a mocinha sente necessidade de seus
braços gelados.
Magia de Amor (Raul Seixas) Me
fascina tua morte mal morrida E a tua luta pra ficar em tal estado O teu
beijo, tão fatal, nunca me assusta Pois existe um fim pelo sangue
derramado Me fascinam teus olhos quando brilham Pouco antes de escolher
quem te seduz E me fascinam os teus medos absurdos A estaca, o alho, o
fogo, o sol, a cruz Me fascina a tua força, muito embora Não consiga
resistir à frágil aurora E tua capa, de uma escuridão sem mácula Me
fascinam os teus dentes assustadores E teus séculos de lendas e de
horrores E a nobreza do teu nome, Conde Drácula
Agradecimentos: Napoleão, Carol Puccini
(autora da frase: “vampire is the new black”), e todas as
fangbangers, que escrevem ou freqüentam o blog: I Love True
Blood
*Ana
Carolina Acom é graduada em filosofia pela UFRGS e especialista em
Moda, Criatividade e Inovação pelo SENAC – RS. Atua como pesquisadora e
consultora de moda e semiótica das vestimentas. Possui artigos publicados em
todo país, e é responsável pela consulta de estilo da marca fragmentos.
Além disso, é chapeleira nas horas vagas, criando para a marca As
Carolinas.